O Pedro Abrunhosa dispensa apresentações. Da educação clássica mergulhou nas correntes do Jazz para emergir, anos mais tarde, como rei da música Pop Portuguesa. Mestre das narrativas, músico de múltiplas camadas sonoras, assim é o Pedro que arrebatou o Porto numa passagem de ano memorável, a maior que a cidade já viu. Por isso, convidei o Pedro para me mostrar o seu Porto.
O Porto do Pedro Abrunhosa
Encontrei-me com o Pedro na Marina da Afurada, onde nos esperava um barco do Douro 360º, uma empresa que faz passeios de veleiro no rio Douro (e outras navegações; sob marcação, velejam até à Madeira!).
Como achasse inusitada a escolha do local, o Pedro esclareceu: “O Porto tem uma relação mal resolvida com o rio. Cresceu à volta do rio Douro, mas em meados do século XIX, com a revolução industrial, este vai perdendo a sua importância como meio de transporte e fonte de sustento da população ribeirinha. A cidade continuou a crescer de costas voltadas para o rio Douro. Mas o Porto, definitivamente, não se esgota na malha urbana.”
“Por outro lado, do rio sentimos as reminiscências do Porto romântico, medieval e contemporâneo; várias camadas de Porto que convivem pacificamente, como podemos verificar na diversidade de construção visíveis, precisamente, do meio do rio Douro.”
Passámos debaixo da Ponte da Arrábida, palco da infância do Pedro. “Eu vinha muitas vezes para aqui. Apanhava um dos elevadores da ponte da Arrábida; a viagem, na altura, custava 50 centavos. Estes elevadores deviam ser reabilitados!”
Mais um ponto de referência: A Rua da Bandeirinha. “Nós temos uma ideia do Porto medieval como uma cidade suja, sem controlo higiénico, mas não era bem assim. Os barcos que entravam na barra e as pessoas que vinham da margem sul sofriam uma inspecção sanitária antes de terem autorização para entrar na cidade. Ora esse controlo dava-se do lado de Gaia. Ali (aponta para o local da antiga Bandeirinha, no final da Rua com o mesmo nome, mesmo ao lado do Palácio da Sereia), estava uma bandeira vermelha que funcionava como um semáforo medieval. Os barcos vindos da barra, quando avistavam a Bandeirinha, sabiam que deveriam dirigir-se à margem sul e aguardar a visita da inspecção sanitária.
Descemos mais um pouco; estávamos já na ponte Luiz I. “Não há nada como o silêncio no meio do rio, Sara”.
Voltámos ao cais da Afurada – obrigada, Ricardo, foi um belíssimo passeio de barco!
Pegámos no carro, rumámos ao centro do Porto. Por ser já anunciado o fim do dia, encheram-se as ruas de um trânsito infernal, o que nos deu tempo para mais duas de letra.
“Não sou músico no sentido substantivo da palavra, mas no adjectivo. Dedico-me à composição de escritas, sejam ela literárias ou musicais, que depois se cruzam nas minhas canções.”
“Escrever é pensar, e o processo criativo exige a construção de uma interioridade que depois se regurgita. Já dizia João Cabral de Melo Neto que a arte é a defecação do que absorves, e é uma excelente forma de a definir.
No entanto, a ideia da arte apenas como inspiração é limitada. Os artistas têm as mesmas obrigações dos outros mortais. Têm de pagar contas, responder às suas responsabilidades como cidadãos, cuidar dos que lhe são próximos. Por isso é necessário trabalhar arduamente a inspiração; é apenas a acendalha do processo criativo.”
O sítio onde temos casa, família e amigos nunca é pequeno
Nota: Todas as fotografias, à excepção da da Rua da Bandeirinha, são da autoria de Hugo Abrunhosa. Obrigada pela ajuda, Hugo!
Entre dois semáforos descobrimos que ambos passámos as nossas infâncias, apartadas 25 anos uma da outra, no Bonfim. “Ai és do Bonfim? Então vamos lanchar lá!” E então fomos à confeitaria Chicana, onde eu já ia em miúda, comer uns fabulosos croissants. “O turismo é galvanizador da renovação urbana, mas é preciso haver um certo equilíbrio. Os turistas exercem uma grande pressão em termos de produção de resíduos e de ocupação de espaço, e por isso sou inteiramente a favor da implementação de uma taxa turística. Por outro lado, devemos empenhar-nos em que os turistas não fiquem só na baixa do Porto, mas que se espalhem – e fiquem – noutras zonas da cidade, nomeadamente: junto ao Pólo Universitário, perto do Teatro do Campo Alegre, na zona de Serralves… são imensas as possibilidades.”
Em jeito de despedida, pergunto-lhe quando é que o Porto se tornou pequeno para ele. Parece surpreendido pela pergunta. “Nunca. O facto de sair do país à procura de outras espécies de flores que não existem cá, para ter no meu jardim, não significa que o Porto seja pequeno para mim. A cidade onde temos a nossa casa, os nossos amigos e a nossa família, nunca é pequena.”
Chegara ao fim uma tarde bem passada, de sorrisos marítimos e memórias a estibordo. Obrigada, Pedro, pela partilha, e à tua maravilhosa equipa por tornarem isto possível. Vemo-nos à beira – meio – rio!