Há muito tempo que não escrevo artigos históricos e, uma vez que estou presa ao sofá com a pior gripe de que tenho memória, vou aproveitar estas horas silenciosas para escrever sobre um dos meus temas preferidos: as judiarias do Porto. De tal forma acho o tema interessante, que desenvolvi um Tour privado da Herança Judaica no Porto.
Espero que goste!
Antes de escrever sobre as judiarias do Porto, um pequeno enquadramento histórico…
É tão difícil rastrear a chegada dos primeiros judeus ao Porto quanto é difícil precisar uma data de fundação da cidade em si.
No entanto, a historiadora Elvira Mea, investigadora na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, refere que na baixa Idade Média já existiriam judeus no Porto, de acordo com vários manuscritos encontrados.
Este facto não nos deve espantar, já que no tempo do primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques, a posição equivalente ao Ministro das Finanças era ocupado precisamente pelo grão rabino Yahia Ben Yahia.
É interessante analisar como a percepção social – bem como o poder conferido pelo rei – às comunidades judaicas portuguesas se foi alterando ao longo dos séculos.
Se é verdade que as comunidades judaicas eram efectivamente consideradas distintas da restante população, sofrendo taxas acrescidas de impostos derivadas da religião professada, não menos verdade é que os monarcas portugueses se rodeavam de importantes figuras judaicas.
Esta relação de saudável convivência e de elevado estatuto social conferido aos judeus em Portugal foi decrescendo durante a primeira dinastia, tendo mudado radicalmente durante a dinastia de Avis.
De facto, foi durante a dinastia de Avis que, em 1496, o rei D. Manuel I expulsou os judeus de Portugal (ainda que relutantemente e procurando sempre estratagemas para evitar a saída dos judeus do país, com consequências desastrosas).
Esta decisão de D. Manuel I, que procurava assim agradar aos reis católicos de Espanha, viria a tornar-se uma das piores decisões políticas da história Portuguesa, contribuindo largamente para o declínio do império português.
Apesar de o Porto ter tolerado e até protegido a sua comunidade judaica durante largos anos após a expulsão dos judeus de Portugal, as acções infames da Inquisição na cidade viriam a provocar uma debandada geral dos então chamados novos – cristãos, já em meados do século XVII.
Expulsos os judeus e derrubada a influência dos cristãos novos, as judiarias do Porto foram completamente abandonadas, os vestígios da cultura judaica destruídos ou apropriados para darem lugar a outros nomes e outras histórias que pouco ou nada conservam do passado.
No entanto, no início do século XX houve um ressurgimento da comunidade judaica do Porto através da vida e obra do Capitão Barros Bastos. Este homem valente, condecorado durante a primeira guerra mundial, não só fundou a comunidade israelita do Porto como liderou a construção da sinagoga Kadoorie Mekor Haim.
Pode ler mais sobre a história da sinagoga, onde ficará também a saber mais sobre a reaparição da comunidade israelita do Porto e do seu rápido declínio.
Já no final da ditadura salazarista, os judeus eram finalmente livres para professar a sua religião. Desde então, as comunidades judaicas portuguesas têm vindo a crescer (à excepção de Belmonte, que diminui todos os anos), mas são manifestamente muito pequenas.
A comunidade israelita do Porto tem cerca de 150 membros de diversas nacionalidades, que se reúnem nas celebrações mais importantes.
Na sinagoga do Porto encontra uma loja de produtos kosher (só para os membros da sua comunidade) e vending machines de produtos kosher. Tem também um pequeno museu sobre a vida do Capitão Barros Bastos, sobre a família Kadoorie e sobre o papel da sinagoga do Porto durante a segunda guerra mundial.
Existe também o Hotel da Música, o único hotel do Porto que tem uma certificação que lhe permite confeccionar e servir refeições kosher.
Onde eram então as judiarias do Porto?
No fundo, a comunidade judaica do Porto foi-se movimentando ao longo de um circulo com origem na catedral do Porto até onde é agora a actual zona da Vitória, até finais do século XV.
Existem até manuscritos que apontam para a existência de uma primeira judiaria no Porto próximo do magnífico miradouro da Igreja dos Grilos.
Mais tarde a comunidade deslocou-se para a beira rio, inicialmente para o Cais da Ribeira, onde se encontra a ponte Luiz I. Esta zona, bem próxima do cais, seria propícia para a condução dos seus negócios mercantis. Lentamente, a comunidade foi-se movimentando cada vez mais para Oeste.
Já no final do século XIV a comunidade judaica foi forçada a criar uma quarta e última judiaria do Porto, já dentro do perímetro das muralhas fernandinas, sob as ordens do rei D. João I.
É precisamente lá que se inicia a minha tour judaica no Porto 🙂
Hoje em dia, a comunidade judaica é bastante pequena, não existindo uma judiaria do Porto contemporânea (o que, a meu ver, é um excelente indicativo da boa integração dos judeus na cidade).
De facto, Portugal é um dos países mais seguros para as comunidades religiosas minoritárias. Assim, não se admire se for à sinagoga do Porto e não for recebido por guardas armados e passado a pente fino num detector de metais, como acontece noutras cidades europeias.