Uma vez um senhor na Ribeira, de passagem: “Jovem, sabe quantas pontes tem o Porto?”. Eu, com “guia turístico” escrito na camisola (e provavelmente na testa), fiquei especado sem responder à espera do truque… “As mesmas de Gaia”, disse-me entre gargalhadas.
Certíssimo. Para quem não sabe do que estou a falar, eis uma boa introdução a Gaia.
A melhor forma de conhecer as pontes do Porto é fazendo um cruzeiro no rio Douro
A menos que goste do seu jogging matinal, a melhor forma de ver as pontes do Porto é apanhando o cruzeiro das 6 Pontes, um agradável passeio de barco no rio Douro com a duração de uma hora.
Pode comprar o bilhete simples para o Cruzeiro das 6 Pontes.
Também pode combinar este cruzeiro com outras atividades populares, poupando assim muito dinheiro (porque comprar os bilhetes individuais para cada atividade sai muito mais caro!). Assim, estas são as suas opções:
- Cruzeiro das 6 Pontes + Caves de vinho do Porto + ônibus turístico, por 280€ (poupa 40€ com este bilhete).
- Trem pela cidade + Cruzeiro das 6 Pontes + Visita a uma cave de vinho do Porto por 25€ (poupa 15€ com este bilhete).
[getyourguide ids=’14872,49588′ data-gyg-cmp=’pontes-porto-widget-1′ data-gyg-placement=’content-top’ data-gyg-locale-code=’pt-PT’]
Hoje falaremos das pontes do Porto (e Gaia). Esta cidade portuária – a razão do nome – baseia o seu êxito no acesso a essas “auto-estradas medievais” como eram os rios e mares. Desde o tempo dos Romanos que se fizeram pontes, mas as pontes do Porto são, provavelmente, as mais apelativas do país.
Tal é o sentimentalismo à volta destas estruturas que a União Europeia decidiu colocar pontes em todas as notas da “moeda única”. As pontes do Porto são 6, mas na sua história contam-se muitas mais!
Ponte das Barcas
Inaugurada a 15 de Agosto de 1806, desenhada por Carlos Amarante (PT).
Como o próprio nome indica, consistia numa série de barcos flutuando paralelamente a suportar uma série de tábuas de madeira.
Apesar de este tipo de pontes existirem, pelo menos, desde o ano 997 no Porto, esta em específico foi feita para ser mais permanente do que as outras. Era mais estável, subia e descia com as correntes e podia ser montada e desmontada quando necessário. O problema é que era constantemente necessário desmontar a ponte por causa das cheias, o que provocou a sua substituição.
O que é que a Ponte das Barcas tem de especial?
Para os portuenses, o nome desta ponte tem um prefixo obrigatório: O Desastre.
O Desastre da Ponte das Barcas ocorreu a 29 de Março de 1809, durante a Segunda Invasão Francesa de Napoleão. Quando as tropas de do general Soult, às portas da cidade, lançaram um ultimato de rendição, os portuenses encheram o peito e fizeram frente.
Infelizmente as intenções de Soult eram realmente sérias. Enquanto o exército francês marchava espalhando destruição, os habitantes da cidade corriam em direcção ao rio para tentar alcançar a segurança em Gaia. O problema é que a ponte, que era suficiente para o normal dia-a-dia, não estava preparada para tanto peso.
Eventualmente colapsou a meio, mas as pessoas que fugiam em pânico da morte certa não notaram. À medida que se empurravam, mais e mais vítimas caíam ao rio, provocando centenas de mortes nesse dia.
Como memória desse fatídico dia, os portuenses ainda hoje homenageiam as “Alminhas da Ponte” (o nome que se dá às vítimas) na Ribeira, e o Porto é o único lugar onde pode comer um “Napoleão”. Sem piedade.
Ponte D. Maria Pia
Inaugurada a 4 de Novembro de 1877, projectada por Théophile Seyrig (BE) e Gustave Eiffel (FR) (Groupe Eiffel et Cie.).
Baptizada em honra da Rainha consorte (Maria Pia de Savóia), esta ponte do Porto é um marco de Engenharia mundial. O seu arco de largura variável, composta de vigas de metal, fruto dos materiais disponibilizados pela Revolução Industrial.
As pontes do Porto nunca mais seriam iguais: esta foi a primeira estrutura a considerar, na sua totalidade, os efeitos dos ventos; durante 7 anos deteve o recorde de maior arco de metal do Mundo; e foi vital para estabelecer a rede ferroviária do país. Tornou-se, definitivamente, um dos mais importantes monumentos da arqueologia industrial portuguesa com o reconhecimento de “Monumento Histórico de Engenharia Civil Internacional” da ASCE (“American Society of Civil Engineers”).
Infelizmente, o seu uso não passou o teste do tempo. Com uma via simples (só permite a passagem de um comboio de cada vez) e uma velocidade máxima de 20 km/h, rapidamente se tornou obsoleta e foi substituída pela ponte de São João.
Esta foi a ponte do Porto que o Eiffel construiu, então!
Mais ou menos… Sabemos que a maior parte (principalmente o arco parabólico) foi projectada por Théophile Seyrig, mas o projecto foi assinado por ambos. É impossível saber que contribuição, ao certo, cada um teve.Mas podemos ter uma ideia. Théophile Seyrig abandonou, um ano depois, a companhia de Eiffel, por divergências com Eiffel. Juntou-se a um concorrente na Bélgica, por isso é natural que a sua participação tenha sido desvalorizada com o tempo.
No entanto, o destino quis que Théophile Seyrig voltasse a assinar o seu nome numa ponte do Porto.
Ponte Luiz I
Eis a mais emblemática de todas as pontes do Porto! Esta é mesmo “à Porto”, visto que liga a baixa do Porto à de Gaia, assim como a cota baixa e alta da cidade.A imagem mais idílica da cidade engloba a Ribeira, encavalitada sobre o cintilante rio Douro com os seus barcos Rabelo, e claro… a Ponte Luiz I!
O Eiffel construiu a Ponte Luiz I, certo?!
Não. Ele não só NĀO a construiu, como chegou inclusivamente a perder o concurso público para a sua construção contra o seu antigo discípulo e colega, o belga Théophile Seyrig. De facto, a ponte Luiz I foi inaugurada a 31 de Outubro de 1886, projectada por Théophile Seyrig (BE) (Socièté Anonyne de Construction de Willebroeck).
O que é que a Ponte Luiz I tem de tão especial?
Ser a mais emblemática ponte do Porto não é suficiente?! Muito bem…Esta ponte foi baptizada em honra a Dom Luiz I, cuja esposa era nada mais nada menos do que Maria Pia (cujo nome havia sido imortalizado noutra ponte do Porto).
No entanto, o nome oficial da ponte carece do habitual título de Dom. O facto é que a inauguração da sua ponte foi antecipado para coincidir com o seu aniversário. “Sua Majestade”, no entanto, não se dignou a aparecer à cerimónia (que acabou por ser presidida pelo bispo do Porto). Há quem ainda hoje comente que a ausência do título real foi a pequena maldade que os portuenses retorquiram.
Na verdade a ausência do título foi um reflexo dos ventos liberais que se faziam sentir na altura. Mas fica a dica, para quem não gosta de deixar a verdade estragar uma boa história.
Ponte da Arrábida
Inaugurada a 22 de Junho de 1963, idealizada por Édgar Cardoso (PT).
Apresentamos a nossa ponte do Porto preferida! Os rasgados elogios a este tratado de engenharia ecoam desde os preto-e-branco anos 60 de Portugal até aos dias de hoje. Quem disse que a engenharia não é sexy, nunca viu esta ponte.É também a mais exposta à força dos elementos. A Foz do Douro, e os seus ventos fortes e salgados, distam apenas 2 quilómetros.
Esta ponte reclamou para si o recorde de maior arco de betão do Mundo (destronando a ponte Sandö, na Suécia). Foi projectada sem recurso a computadores – nessa altura toda a complexa matemática foi feita à la pata!
Então… o que torna a Ponte da Arrábida especial?
Já dizia o sábio Pedro Abrunhosa: “É preciso ter calma, não dar o corpo pela alma”. Primeiramente, o próprio Édgar Cardoso veio a público dizer: “Com franqueza o confessamos e reafirmamos que, apesar de em tudo procurarmos sempre a resolução analítica – por vezes à custa de laboriosíssimos cálculos (…) foi depois de termos a confirmação experimental que nos lançámos no cálculo algébrico das diferentes questões”.
Em poucas palavras: primeiro faz-se a experiência e só depois resolvemos a questão teórica!
Foi este tipo de abordagem, provavelmente, o segredo por detrás desta inovação. De tal modo foi o espanto que muita gente tinha medo de cruzá-la, ao início, com medo de que caísse. Há mesmo histórias de engenheiros suecos que vieram ao Porto para ver a ponte cair.E como diz a expressão popular, esperaram sentados…
E mais uma voltinha!
Um dos cenários mais românticos para almoçar ou jantar no Porto existe graças a esta Ponte. É verdade. O restaurante italiano Casa D’Oro está instalado naquela a que se chama “A Casa dos Engenheiros”, de onde supervisionavam a obra, construída para esse efeito.
Ponte São João
Previsivelmente, a ponte D. Maria Pia tornou-se insuficiente para o fluxo ferroviário, e as autoridades queriam fazê-lo para durar, desta vez. Por isso chamaram o mais brilhante engenheiro português de sempre (sim, Édgar Cardoso está de volta) para construí-la, e baptizaram-na em honra do (debatível) santo padroeiro do Porto: São João.
A ideia de construir uma segunda passagem ferroviária surgiu assim que se terminou a Ponte de Arrábida. E, para tal, usou-se a prata da casa!
Este Édgar Cardoso não estava para brincadeiras…
Carlos Ferraz, do Gabinete de Engenharia Édgar Cardoso, descreveu-o como um homem dotado e extremamente criativo, que pensava como um arquitecto. Cosmopolita e extremamente disciplinado, tinha longas jornadas de trabalho com horários de refeição seguidos estritamente.
“Todos os rios têm um lugar para construir uma ponte. Só temos de descobrir onde”, citando Édgar Cardoso. Seguramente o mais brilhante engenheiro português do séc. XX.
Se a sua inteligência não se desvaneceu com o tempo, o mesmo não se pode dizer do seu espírito de trabalho em equipa. Tal como Gaudí e a “Sagrada Família”, o engenheiro nunca entregou o projecto de construção completo. A acrescentar à constante preocupação de que a idade avançada do engenheiro se antecipasse à conclusão da ponte, Édgar Cardoso debatia-se frequentemente contra o orçamento e materiais usados na construção.
Desentendimentos quanto à data de inauguração – que o engenheiro considerava precoce – e quezílias políticas culminaram com a sua ausência no dia da inauguração.
Ponte do Freixo
Inaugurada em Setembro de 1995, projecto de António Reis (PT). A mais funcional e intensamente usada de todas as pontes do Porto. A história repete-se, e desta vez eram as pontes de Luiz I e de Arrábida que estavam em saturação.
Denominada pela zona do Porto que serve, é a mais a montante das pontes do Porto. A Via de Cintura Interna liga esta ponte à de Arrábida.
Conta-nos mais sobre a Ponte do Freixo.
Esta ponte é, tecnicamente, duas pontes. Sendo, ao mesmo tempo, a mais baixa e longa ponte do Porto, foi feita para permitir a passagem de 4 vias de auto-estrada em cada um dos 2 sentidos (Norte e Sul).
Por isso para garantir solidez estrutural e segurança sísmica, foram feitos dois tabuleiros lado a lado, separados por uns meros 10 cm.
Ponte do Infante D. Henrique
A vista do topo da ponte Luiz I era tão boa que decidiram instalar aí a passagem do sistema de Metropolitano do Porto.Assim, o clube de pontes do Porto ganhou mais um membro. Este continua a ser o mais recente.
É a ponte do Porto mais aborrecida, não?
Não necessariamente. Inspirada por várias pontes alpinas, o seu arco de 280m é um recorde para pontes deste tipo. Consegue afirmar a sua identidade própria entre as “gigantes” das pontes do Porto, apesar de ser a mais moderna. Acima de tudo é uma referência ao passado. Baptizada em honra a um dos mais proeminentes portuenses – o Infante D. Henrique -, construída com as mais contemporâneas técnicas. O seu arco, “entalada” entre as duas mais antigas pontes do Porto, liga tradição e modernidade, passado e futuro, e claro… Porto e Gaia!