Quando escrevo sobre um edifício, interessa-me mais a sua importância histórica e simbólica para a cidade em que se insere do que propriamente o seu estilo arquitectónico, ou, diria mesmo, a sua estética. Por isso, quando nomeio os meus edifícios preferidos na cidade do Porto, sou comumente coroada com olhares de espanto. E um desses edifícios é, precisamente, aquele que foi considerado o primeiro arranha céus do Porto!
Contado ninguém acredita. Mas aquele edifício cinzento que pede discretamente licença para existir ao lado do grandioso Teatro Rivoli, na Praça D. João I, causou um grande furor aquando da sua inauguração. Afinal, do alto dos seus oito andares, era o edifício mais alto do Porto (e de Portugal) em 1944!
Para além desta espantosa classificação, o edifício Rialto – assim era o seu nome -, albergou um dos café mais emblemáticos do Porto: o Café Rialto. Um dos cafés que, juntamente com os famosos cafés Guarany, Majestic, e tantos outros, marcaram o século XX no Porto.
O Café Rialto foi arquitectado em 1944, tendo-se tornado um ponto de paragem obrigatória para a elite intelectual e estudantil da época, sendo um dos poucos cafés onde podiam manifestar o seu descontentamento perante a ditadura de António Salazar e, em geral, a paisagem social e económica dessa altura. No Café Rialto reuniam-se igualmente vultos das áreas da advocacia, engenharia, medicina, jornalismo etc., dada a proximidade ao Ateneu Comercial e à Associação dos Jornalistas e Homens de Letras, duas instituições de grande actividade cultural e política de oposição a Salazar.
Para além disso, o Café Rialto apresentava algumas “extravagâncias” bastante inovadoras nos idos anos 40. Deixo-vos aqui uma citação, retirado do Jornal O Século, que escrevia a 28 de Novembro de 1944: “O «café», com ar condicionado, tem capacidade para 130 mesas e a cozinha, completamente electrificada, possue, e pela primeira vez em Portugal, aparelhagem para esterilização de chávenas, capaz de esterilizar 600 em quinze minutos”.
Infelizmente, o Café Rialto foi encerrado antes que o pudesse visitar, em 1972, tendo-se tornado num balcão do Banco Millennium. No entanto, e para gáudio do meu olhar quotidiano, podemos espreitar duas recordações do Café Rialto, que ainda lá estão.Uma consiste num desenho-mural a carvão, da autoria do Arquitecto Abel Salazar, em que, a traço vigoroso, está simbolizado o esforço da Humanidade ao longo do tempo.
A outra consiste numa parede coberta com três pinturas murais, onde era o antigo salão inferior do Café Rialto e onde existe hoje o Clube Millennium. A central, da autoria do pintor Guilherme Camarinha , e as laterais, do mestre da Escola de Belas Artes desta cidade, Dordio Gomes.
Ah, memórias de tempo passado, pérolas deste presente distraído! 🙂