Graffiti, street art, arte urbana; as fronteiras diluem-se entre estas formas de arte tão recentes, em perfeita sintonia com o quotidiano urbano. Formas de arte em anarquia aparente mas com a sua etiqueta, simbólica (e por vezes escrita), nas paredes.
Simultaneamente tão interessantes e desconhecidas que convidei o GODMESS, um dos street artists mais conhecidos do Porto, a mostrar-me a sua visão sobre o assunto. A sua street art do Porto.
Começamos na Rua da Madeira, onde se juntam muitos writers (pessoal do graffiti) para verem os comboios (pintados). No compasso de espera vão assinando a parede, escrevendo mensagens para serem lidas mais tarde, até prestando homenagem aos que já partiram. “Gosto da dimensão da Memória destes objectos urbanos.
À primeira vista parece apenas uma parede suja, mas tem vestígios da passagem de dezenas de pessoas por aqui, mostra a evolução de alguns street artists conhecidos, é, em suma, uma memória da street art do Porto”.
“Isto não é para os outros, mas é para ser visto pelos outros”.
Há o seu quê de egocêntrico, territorial até, na street art do Porto. Mas, ao mesmo tempo, ambos exigem o desapego à obra, que “sai do sistema” para se tornar da rua, e que por isso pode ser apagada a qualquer momento. Há um certo cavalheirismo, no entanto. “É um meio pequeno cá no Porto, toda a gente se conhece, e por isso respeitamos muito o trabalho uns dos outros”. E isso sente-se no Porto, onde trabalhos do GODMESS, do Hazul, dos Chei Krew, do Costah etc convivem pacificamente com as letras dos graffiters, com os autocolantes, com os azulejos do SEM e com tantas outras formas de expressão urbana.
E a relação com a Câmara Municipal do Porto? “Tem melhorado, efectivamente. Das brigadas anti graffiti do Dr. Rui Rio passamos a ser convidados pela Porto Lazer para fazermos diversos trabalhos em espaços públicos. Continua a faltar uma parede de experimentação, à semelhança de outras cidades europeias, onde o pessoal possa dar os primeiros passos no graffiti e ir aperfeiçoando a técnica. Assim evitava-se a utilização de espaços devolutos da cidade”.
Vamos descendo a Rua das Flores, onde estão as famosas caixas pintadas por diversos street artists. “Este projecto teve grande impacto a nível das redes sociais. Eu fiz algumas das caixas com o SEM, incorporando frases típicas do Porto. Uma das mais engraçadas é a “És fino como o alho”, porque íamos começar a pintá-la quando um senhor nos viu e começou a explicar-nos a origem desse ditado popular.
Existia um comerciante do Porto, chamado Afonso Alho, que era um “chico esperto” nos negócios, e então as pessoas diziam és fino como o (Senhor) Alho, e a expressão pegou. Quando ele nos contou esta história mudamos a caixa para o cruzamento com a Rua Afonso Martins Alho”. Porque a street art do Porto também é esta envolvência com a cidade.
“Existe uma grande relação entre o trabalho que faço e o espaço a ser ocupado. Tento trazer uma nova identidade a uma parede anteriormente sem vida. Mais do que embelezar, importa chamar à atenção, passar uma mensagem. Mas não existem rótulos nos nossos trabalhos, o que permite diversas interpretações”.
Acabamos em Cedofeita. Passámos um trabalho lindíssimo, na sua simplicidade, da ilustradora Lara Luís, para mergulharmos nas galerias desertas do Centro Comercial de Cedofeita, onde me deparo com um trabalho magistral do MOTS.
Pareceu-me a forma ideal de acabar um passeio pela street art do Porto feito de múltiplos olhares, muitas camadas de possíveis interpretações, de infindos detalhes urbanos. Obrigada, GODMESS!