A noite mais importante do ano, no Porto, é consagrada a São João. Noite de folias, excessos na justa medida do são convívio entre sardinhadas e bailaricos à beira rio, entre outras tradições engraçadas.
Dada a dimensão da festa, de clara origem pagã, dir-se-ia que o santo padroeiro do Porto é São João. E, no entanto, não é. Então, quem é o santo padroeiro do Porto?
O santo padroeiro do Porto
Na verdade, é uma santa – Nossa Sr.ª da Vandoma, também conhecida por Nossa Sr.ª do Porto 🙂 A devoção da cidade a esta santa prende-se a um episódio no longínquo século X, quando uma armada proveniente de Gasconha (França), comandada por um nobre português, expulsou os mouros que ocupavam o Porto.
Na armada viajava o bispo de Vêndome, que mais tarde se tornaria bispo do Porto, e que trazia consigo uma réplica da imagem da Nossa Sr.ª da Catedral da sua cidade. Expulsos os mouros, a imagem de Nossa Sr.ª de Vêndome (entretanto atripeirada para “Vandoma”) foi colocada numa das portas da muralha do Porto, tendo a mesma passado a chamar-se, a partir de então, porta de Vandoma.
E, se olharem com atenção, repararão que é esta Santa que está no brasão do Porto! 🙂
Séc. XVI ao Séc. XX: S. Pantaleão
Muito embora a ligação de Nossa Sr.ª de Vandoma à cidade do Porto seja bastante antiga, esta só foi considerada santa padroeira da cidade a partir de 1984. Antes dela, qual seria o nosso santo protector?
Embora hoje não ouçamos falar dele, S. Pantaleão foi durante séculos o santo protector do Porto. As suas relíquias terão chegado ao Porto em 1453, trazidas por barcos arménios fugidos à ocupação turca de Constantinopla. As relíquias terão sido então deixadas em S. Pedro de Miragaia e transladadas para a Sé do Porto em 1499 pelo bispo D. Diogo de Sousa.
S. Pantaleão havia sido médico e em boa hora “apadrinhou o Porto”, onde, durante os séculos XV e XVI, surgiu mais de uma vintena de surtos de epidemias várias. E, talvez mais relevante até do que a devoção dos aflitos, S. Pantaleão concedeu ao Porto o estatuto de “cidade santuário” (segundo Joel Cleto), atraindo milhares de romeiros à cidade.
Existe até um busto – relicário de S. Pantaleão, no Museu Nacional Soares dos Reis, no Porto. Foi aberto em 1999 para revelar um fragmento de tecido oriental, um osso (supostamente do crânio do dito santo), dentes e alguns papéis. Mais importante do que contém, é o olhar do busto, que se prende ao nosso, numa inquisição serena que atravessa os séculos e as histórias recontadas…
Séc. XII ao Séc. XVI: S. Vicente
A prosa já vai extensa, mas o Porto, cidade caprichosa de múltiplos santos, tem ainda um outro que me pede que vos revele. É S. Vicente, santo padroeiro do Porto desde o século XII, até ter sido destronado por S. Pantaleão.
Quando D. Afonso Henriques descobriu que S. Vicente, um importante santo católico da Peninsula Ibérica, estava enterrado no Promontório dos Corvos, ordenou que o seu corpo fosse transladado para Lisboa, por volta de 1176.
Mas D. Afonso Henriques quis, primeiro, que as relíquias passassem por Braga, a grande cidade católica do reino. Agora é que a história fica engraçada: reza a lenda que a mula que transportava as relíquias de S. Vicente, “fincou” pé no Porto, tendo mesmo invadido a Sé, onde morreu subitamente.
Na altura, isto foi lido como um sinal divino de que as relíquias de S. Vicente deveriam passar algum tempo no Porto, e assim foi. Quando chegou o momento de as relíquias irem de forma definitiva para Lisboa, ficou no Porto apenas um osso de S. Vicente, que ainda está na nossa catedral 🙂
A vós, que bravamente me acompanharam ao longo de todo o artigo, lanço o repto de irem conhecer os nossos três santos padroeiros, em amena cavaqueira na Sé do Porto 🙂